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1981: Sporting, primeira equipa portuguesa na Taça dos Campeões Europeus de Xadrez


No início da década de 80, em plena era João Rocha, o Sporting fazia gala em ser o campeão do ecletismo e dedicar grande atenção às suas modalidades amadoras. Talvez por isso, foi possível obter o apoio do clube para participar pela primeira vez, em 1981, na European Club Cup, correspondente, no xadrez, à Taça dos Clubes Campeões Europeus.


Estreia em casa

Isento na ronda inicial, o Sporting começou a sua participação em Fevereiro de 1981, na 2ª eliminatória da III ECC, contra o KoninklijkeGentse Schaakkring Ruy Lopez (algo como Real Círculo de Xadrez de Gent), equipa resultante da fusão de dois antigos clubes da cidade de Gent. Os belgas haviam vencido por 8:4, na 1ª eliminatória, o Collegians Chess Club de Dublin. 

Logo depois do sorteio, considerámos que a eliminatória estava ao nosso alcance, pois o adversário parecia ser do nosso nível ou até mesmo um pouco mais fraco, e essa impressão confirmou-se: apesar da igualdade em ambos os encontros, o Sporting beneficiou de um melhor desempate para passar aos quartos-de-final.

Curiosamente, quando jogou esta competição, o Sporting não era o Campeão Nacional. Já depois de inscrito (na qualidade de Campeão Nacional da época 78/79), perdeu o campeonato de 79/80 para o Clube Atlético de Alvalade (que, imediatamente a seguir, encerrou a secção de xadrez, diz-se que para dispor da sala para um grupo de ”lavores femininos”!). O Sporting viria depois a recuperar o título em Setembro de 81 e a renová-lo nos dois anos seguintes.

As eliminatórias eram disputadas a duas mãos, mas ambas no mesmo local. No caso, a nossa estreia na prova foi em casa, em 12 e 14 de Fevereiro de 1981. Os encontros eram a seis tabuleiros, diversamente das provas nacionais, disputadas por equipas de quatro, o que nos levantava um problema para preencher o sexto tabuleiro. Com efeito, a nossa equipa principal era constituída pelo MI Fernando Silva, o então MF Luís Santos, mais Rui Silva Pereira e Victor Silva, mas este quatro base, à maneira dos mosqueteiros, era na verdade um cinco: contava também com o várias vezes campeão português e mestre nacional João Mário Ribeiro que, diga-se, apenas por ter estado uns anos afastado da competição não ocupava pelo menos o terceiro lugar da lista. Para preencher o sexto tabuleiro era preciso descer bem mais de uma centena de pontos ELO, recaindo a escolha, entre as várias possibilidades, no Valdemar Lopes, um jogador forte mas num patamar inferior ao resto da equipa. Tinham sido também inscritos para a prova, Ramiro Lopes, Aguinaldo Vera-Cruz, Raul Eduardo, Enes Baptista, José Salgado e Albano Ilharco (estes últimos três, como o Valdemar, infelizmente já nos deixaram). Tínhamos ainda alguns jogadores mais cotados, entretanto chegados do extinto CAA (Horácio Neto e João Assunção, por exemplo), mas que não estavam no Sporting aquando da inscrição.

A antevisão do encontro, no "Diário de Lisboa" de 11/02/1981

Na equipa belga, os nomes mais credenciados eram os dos três primeiros tabuleiros, Bernard De Bruycker, Richard Meulders e Johan Goormachtigh, mas o segundo não se deslocou a Lisboa. Além de De Bruycker e Goormachtigh (que alcançara nos meses anteriores vários resultados de relevo, nomeadamente na Olimpíada de 1980 em Malta), jogaram Paul Mauquoy (falecido em Janeiro passado), Rudy Van Wynkele, Ronny Weemaes (hoje MI), e no sexto tabuleiro Etienne Van Leeuwen (jogo 1) e Gunter Deleyn (jogo 2).

Os encontros disputaram-se no Hotel Flórida, junto ao Marquês de Pombal, por sinal numa sala com excelentes condições, com arbitragem a cargo dos que eram considerados os melhores árbitros nacionais da época, Pedro Peixoto e João Abrantes.

De frente, da equipa do KGS Ruy Lopez, Van Leeuwen, Weemaes e Van Wynkele

Rui Silva Pereira observa o jogo Silva - De Bruycker...

...e Fernando Silva observa a partida Goormachtigh - Santos

No primeiro confronto registaram-se seis empates. Relativamente cedo, Mauquoy propôs a divisão do ponto numa posição equilibrada (depois de eu ter desperdiçado uma boa oportunidade de conseguir uma grande vantagem, como apontado no "A Capital"), o que aproveitámos para contrapropor que esse empate se estendesse ao crítico sexto tabuleiro,­ antes de os belgas se aperceberem da vulnerabilidade que ali tínhamos. Também Luis Santos, regressado no próprio dia de um torneio em Angola e consequentemente bastante cansado, optou por oferecer um empate precoce a Goormachtigh, que prontamente aceitou. As restantes três partidas, ainda que mais prolongadas, terminaram igualmente em empate e o 3-3 em igualdade absoluta deixava a decisão para a 2ª mão.

KGS Ruy Lopez
3:3
Sporting Clube de Portugal
Bernard De Bruycker
½:½
Fernando Silva
Johan Goormachtigh
½:½
Luis Santos
Paul Mauquoy
½:½
Rui Silva Pereira
Rudy Van Wynkele
½:½
Victor Silva
Ronald Weemaes
½:½
João Mário Ribeiro
Etienne Van Leeuwen
½:½
Valdemar Lopes

Foto Diário de Notícias


Dois dias depois, as equipas encontrar-se-iam de novo, desta feita com o Sporting a ter brancas nos tabuleiros ímpares. Caímos rapidamente em inferioridade na mesa 6 e registou-se um empate no 1º tabuleiro, o que obrigava a conseguir pelo menos uma vitória nos restantes jogos (em caso de igualdade pontual, passava a equipa que conseguisse a vitória no tabuleiro mais “acima”).
Apesar de ter conseguido uma posição vantajosa, Victor Silva, muito pressionado pelo tempo, aceitou empate no 4º tabuleiro, enquanto as três restantes partidas (a derrota no 6º tabuleiro já estava consumada) foram suspensas para reatamento à noite. Havia confiança em que conseguiríamos  passar, pois tínhamos vantagem clara nos 3º e 5º tabuleiro, enquanto que na outra partida não parecia possível que Goormachtigh derrubasse a muralha defensiva das negras. Na sessão da noite, conquanto eu tivesse conseguido uma vantagem decisiva no tabuleiro, mais uma vez o vício de cair em apuros de tempo me obrigou a aceitar a proposta de empate judiciosamente atirada pelo meu adversário quando eu dispunha de não muitos segundos para completar os últimos 6 lances do controlo (recordemos que naquele tempo não havia "incrementos"). Diga-se que, ao fazê-lo, sabia também que a partida do 5º tabuleiro era de fácil concretização e que Luís Santos, no 2º, não corria perigo real de perder. Depois de novo adiamento, as duas partidas que sobravam foram retomadas no domingo de manhã, confirmando-se a vitória de João Mário Ribeiro e o empate de Luís Santos, resultando na passagem do Sporting aos ¼ de final, com a vitória no 5º tabuleiro a valer mais do que a conseguida pelos belgas no 6º.

Sporting Clube de Portugal
3:3
KGS Ruy Lopez
Fernando Silva
½:½
Bernard De Bruycker
Luis Santos
½:½
Johan Goormachtigh
Rui Silva Pereira
½:½
Paul Mauquoy
Victor Silva
½:½
Rudy Van Wynkele
João Mário Ribeiro
1:0
Ronald Weemaes
Valdemar Lopes
0:1
Gunter Deleyn


A registar, também, o ambiente de grande cordialidade e desportivismo que rodeou este encontro, o que, aliás, é destacado no artigo de Albano Ilharco no jornal do clube. O Sporting recebeu a equipa belga no aeroporto e transportou-a no autocarro do clube para o mesmo hotel em que se disputaram as partidas, no centro de Lisboa. No domingo a seguir aos jogos também os levou a dar a habitual "volta saloia" - pela marginal até ao Estoril, Cascais e Sintra. Por fim, acompanhou-os ao aeroporto para o regresso a casa.


De frente para a câmara, Valdemar Lopes, João Mário Ribeiro e, mais atrás, Victor Silva.
Reportagem no jornal "Sporting"...

...com destaque na primeira página.

A realização deste encontro teve repercussão na imprensa, habitualmente pouco ligada à modalidade, mas que deu algum destaque ao acontecimento. 


 

Cobertura da imprensa lisboeta: "Gazeta dos Desportos", "Diário de Notícias" e "o ponto"

Além destes três jornais, também pelo menos o "A Bola", o "Mundo Desportivo" e "O diário" dedicaram atenção ao assunto, além, é claro, de "A Capital".




A partida que decidiu a eliminatória a nosso favor, uma vitória tranquila de João Mário Ribeiro:





Um dos desperdícios do segundo embate (o outro foi na partida do Victor Silva, que não temos):




Duas defesas muito sólidas:






A única vitória belga ocorreu no sexto tabuleiro:

 


Uma má experiência em Israel

Nos quartos-de-final calhou-nos em sorte uma deslocação ao Próximo Oriente, em Julho do mesmo ano, para defrontar a equipa da Universidade de Telavive. Logo no papel, estava evidente que teríamos uma tarefa difícil, pois os nossos adversários estavam de modo geral acima de nós na classificação ELO.

O Capitão de Secção, Albano Ilharco, acompanhou a equipa a mesma que tinha jogado com o KGS Ruy Lopez.  Depois de passar pelo reforçado escrutínio de segurança da El Al, de esperar quase duas horas dentro do avião e de uma viagem de mais de seis horas (sobrevoando os países autorizados àquela companhia e não fechados por greves de controladores aéreos), aterrámos em Telavive já noite cerrada, vendo o avião cercado de militares armados assim que se imobilizou.

No único gesto de alguma simpatia que a equipa adversária nos dedicou, fomos recebidos por um seu dirigente, que nos ajudou a apanhar um táxi e transportou três de nós para o nosso hotel (por falta de voos convenientes, tivemos de viajar dois dias antes do período para o qual o organizador era obrigado a fornecer alojamento).

Depois de um par de dias de turismo, transferimo-nos para o hotel da organização, no qual estavam alojados os participantes na XI Macabíada,  um acontecimento desportivo que decorria simultaneamente e que reunia cerca de 3500 atletas da diáspora judaica (sem participação portuguesa, mas com uma delegação brasileira). Isto seria irrelevante, se não transformasse o restaurante do hotel, que já não era grande coisa, numa imensa cantina, com a qualidade correspondente.

De acordo com o site  Olimpbase, que, entre outras provas de equipas, reúne informação sobre as várias edições do ECC, a equipa israelita era composta pelo IM Shimon Kagan, Uri Avner, IM Avraham Kaldor, Yedael Stepak, Ephraim Carmel, Almog Burstein e Avner Hadar. No entanto, contra nós, Uri Avner jogou no 3º tabuleiro, portanto ou falta alguém no 2º, ou o site trocou a ordem. Aparentemente a constituição das equipas e os parciais não foram remetidos à FIDE e só sabemos quem jogou no 1º e no 3º tabuleiros. Infelizmente, além de não termos os registos da maioria das partidas, também não há fotos tiradas durante os encontros.

Desportivamente, a eliminatória teve uma 1ª mão relativamente equilibrada, na qual o Sporting perdeu pela margem mínima - 3½:2½. O Olimpbase não dispõe nem dos parciais, nem da constituição das equipas neste encontro, apenas do resultado final das duas mãos, mas os resultados sobreviveram na notícia do "Mundo Desportivo": Fernando Silva perdeu no 1º tabuleiro com o muito forte MI israelita Shimon Kagan. Luis Santos e eu empatámos, Victor Silva conseguiu a única vitória lusa na eliminatória, João Mário Ribeiro empatou e Valdemar Lopes perdeu no 6º tabuleiro. 

A 2ª mão, contudo, foi um verdadeiro desastre, no qual apenas o calmo João Mário Ribeiro se salvou do naufrágio geral, com um resultado de 5½:½ para o Universidade de Telavive. No meu caso, depois do empate na 1ª mão, tratei muito mal a abertura no segundo jogo com UriAvner (um jogador não muito forte, mas experiente, que viria a ter importância no mundo da composição de problemas, tendo sido presidente da PCCC - Permanent Comission for Chess Composition - da FIDE) e perdi rapidamente. Não recordo como foram os restantes jogos, mas o meio ponto de honra foi conseguido pelo indestrutível João Mário Ribeiro.

Embora a superioridade da equipa de Telavive fosse evidente, a marca final de 9:3 foi demasiado pesada. A juntar ao mau resultado, entrámos em conflito com os anfitriões por não nos terem atribuído o pocket money determinado pelo regulamento da prova e o ambiente azedou (viriam a remeter o valor para Portugal uns meses depois, cumprindo a contragosto a determinação da FIDE sobre o protesto que apresentámos). Regressámos ao hotel reservado pelo Sporting e ao turismo para os últimos dois dias, apesar do ambiente algo opressivo pela omnipresença de militares armados e por algumas paragens para revista.

A eliminatória em Israel, vista por Vasco Santos no "Mundo Desportivo"



João Mário Ribeiro e Rui Silva Pereira, prestes a lamentar-se sobre o resultado da eliminatória...

O embate em Israel, visto pelo Albano Ilharco ainda irritado pela recepção dos israelitas e pela notícia da ANOP (hoje a Agência Lusa) a respeito da eliminatória.


Mais sobre a European Club Cup

Esta terceira edição da ECC teve como vencedora a equipa húngara do Spartacus Budapest, que ganhou na final por 6½:5½ aos anteriores campeões do Burevestnik, da URSS. O Spartacus contava com os GM Csom, Benko, Farago e Pinter e os MI Lukacs e Schneider, enquanto os soviéticos jogaram com os GM Balashov, Kochiev, Taimanov, Razuvaev e Yusupov e o MI Dolmatov.


O Sporting participou também na IV ECC, em 1983/84, caindo logo na primeira eliminatória, disputada na Amadora frente aos suecos do SK Rockaden Stockolm, por expressivo 3:9 (2:4 e 1:5). Mais uma vez João Mário Ribeiro fez o melhor resultado, mas partilhando esse feito com João Sequeira (que ingressou no Sporting em 83) – ambos empataram as duas partidas. Eu e João Assunção perdemos duas vezes, Fernando Silva e Horácio Neto fizeram meio ponto cada.

SK Rockaden Stockolm
4:2
Sporting Clube de Portugal
MI Roland Ekström
½:½
MI Fernando Silva
MF Michael Wiedenkeller
1:0
Rui Silva Pereira
Carl-Magnus Björk
½:½
João Mário Ribeiro
MF Mats Sjöberg
½:½
MF João Sequeira
Bo Kyhle
½:½
Horácio Neto
Christer Hartman
1:0
João Assunção

Sporting Clube de Portugal
1:5
SK Rockaden Stockolm
MI Fernando Silva
0:1
MI Roland Ekström
Rui Silva Pereira
0:1
MF Michael Wiedenkeller
João Mário Ribeiro
½:½
Carl-Magnus Björk
MF João Sequeira
½:½
MF Mats Sjöberg
Horácio Neto
0:1
Bo Kyhle
João Assunção
0:1
Christer Hartman


No primeiro encontro, mais uns apuros de tempo que me terão impedido de concretizar a vantagem decisiva que tinha frente a Wiedenkeller (norueguês, hoje MI, que estava nesta equipa sueca e que hoje em dia joga pelo Luxemburgo).




Os vencedores desta edição viriam a ser os soviéticos do Trud, com os GM Beliavsky, Tahl, Romanishin, Dorfman, Kuzmin, Mikhalchisin, Bagirov e Tseshkovsky, e ainda com os MI Andrei Sokolov e Yudasin, que bateram na final os seus compatriotas do Burevestnik.





Comentários

Nuno Barradas disse…
Caros,

Estou à procura, para a Wiki Sporting, do histórico dos Campeonatos Nacionais por Equipas. Especificamente, encontrei em jornais da época que o CN referente a 1962, normalmente disputado em setembro/outubro, foi disputado em fevereiro de 1963 devido a atrasos no calendário (o Sporting venceu, no que foi o nosso primeiro título nacional por equipas). Por outro lado, não encontrei notícias sobre o campeonato referente a 1963. Será que têm mais informação?

Obrigado.

https://www.wikisporting.com/index.php?title=Xadrez_1962
PS. O Xadrez está desde agora "feito" na Wiki até 1969, incluindo palmarés e minibios dos xadrezistas campeões nacionais. Mas sobrou esta dúvida.

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